Viajar em tempos da covid-19

 
 

Por Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores.

Viajar em tempos da covid-19

O político e filosofo francês Montesquieu, pai da teoria dos três poderes, afirmou em uma ocasião, que “[...] as viagens dão uma grande abertura à mente: saímos do círculo de preconceitos do próprio país e não nos sentimos dispostos a assumir aqueles dos estrangeiros. ”  Ao chegarmos ao Novo Milênio, viagens internacionais outrora raras na vida de pessoas comuns, tornaram-se eventos quase comuns devido a globalização e o pagamento parcelado de passagens aéreas e hospedagem. Selfies em lugares famosos ou exibindo roupas de marca, empoderamento social sem a necessidade de demonstrar absorção ou benefício do aporte cultural ou vivencial que cada viagem havia oferecido. 

Fashionistas produzindo o “book” de uma debutante vestida em confecções de grifes francesas, mimicando gestos exagerados de modelos profissionais. Perguntando se alguém sabia o nome do edifício na parte posterior do ensaio, o pai da jovem dirigiu-se ao guia.  “Palácio do Eliseu”, resposta acompanhada de um gesto gálico de enfado. Embora não seja nem a regra, nem a exceção, episódios deste tipo expõem as limitações da tese de Montesquieu, no entanto, ressaltam a importância que viajantes brasileiros atribuem ao fato de poder viajar e de marcar presença em lugares distantes. 

Agravamento da pandemia quebrou o ritmo da retomada no setor aéreo, que alcançara ate 75% do normal, com resultados positivos em voos domésticos. Companhias aéreas estimam que se a tendência continuar negativa, haverá cortes significativos no número de voos a partir de março. No caso de voos internacionais, não houve recuperação em nenhum momento, a modalidade continua praticamente irrelevante. A LATAM, por exemplo, opera em 15% da capacidade, sem apresentar uma curva de subida e descida enquanto a crescente exigência de passaportes verdes, limitações de pouso em países de importância turística e os efeitos da pandemia continuarem em ascensão 

O Brasil será possivelmente um dos últimos países a reconquistar a liberdade de fronteiras, devido a percepções negativas da comunidade internacional sobre a seriedade e inconsistência de suas políticas públicas de saúde, falta de rigor científico e carência de recursos imunológicos adequados para proteger a população. Fatores agravados pela ausência de posições adequadas sobre o uso de máscaras e medidas de restrição, que aparentam mudar de cidade e estado, sem muito critério exceto viés político-partidário... 

Entre os tópicos mais frequentes nas conversas entre amigos e familiares, “viajar” é sem dúvida alguma um dos desejos frustrados pela paucidade de passagens aéreas, exigências sanitárias, medo de ser relegado a quarentena ou adoecer em terras estranhas. Liberdade de viajar adquirida na ascensão democrática e econômica do Brasil, é hoje tão inatingível como os lugares distantes que planejávamos visitar antes da pandemia. É de imenso valor, aproveitar o hiato para debruçar-nos em informações históricas e culturais dos lugares que queremos visitar, como também um momento oportuno para entender a filosofia de Montesquieu e influência no desenho da Constituição Brasileira.