Homens ou objetos - por Amadeu Garrido de Paula

 
 
Amadeu Garrido de Paula

Homens ou objetos?

por Amadeu Garrido de Paula

O novo Código de Processo Civil veio como norma promissora. Finalmente, por meio de boas regras processuais, que regulam o modo pelo qual o direito se aplica, o Brasil parecia ter decolado, pelo menos num ponto da democracia, o que diz respeito à prestação jurisdicional, é dizer, a entrega do direito a quem o tem pelo Judiciário, encarnado nos juízes.

Sempre o engano é presente neste imenso país da América do Sul. Podemos estar enganados, mas nos parece que nos forjamos, historicamente, de um caráter débil, em que as pessoas não são confiáveis entre si e entre elas e o Estado, ainda que seja o Estado-Juiz.

O novo Código elasteceu sobremodo as chamadas medidas antecipatórias. São aquelas que serão definidas no final do processo, mas, desde logo, protegem o lesado, que pode sofrer de uma arranhadura quase que inexpressiva, ou de um mal que, de início, nada importante, que pode dizer respeito à essência de sua vida.

No ponto discordamos de Sartre, quando diz que a existência precede a essência. A essência pode ser determinada no evoluir das civilizações e, consequentemente, determinar a existência dos futuros. A cultura, as ciências, e o direito, podem alterar nossa essência, para que, depois dela, venha-nos uma existência mais humana. Talvez o mais correto seja dizer que se trata de um ciclo de alternâncias.

A urgência é a base dessas medidas processuais de urgência, que podem ser cautelares ou de evidência. As primeiras para resguardar um imediato direito, as segundas para dar-lhes o que evidentemente já se concede a outrem.

Move-nos um exemplo recente dado pelo Desembargador Ruy Copoola, que negou a um colega de profissão - advogado - o direito de compelir o demolidor a instalar equipamento acústico, destinado a represar o som, antes de estraçalhar seus já desgastados ouvidos pela "síndrome de Moliére", que não se deve desejar a ninguém. Direito é sopesamento de valores, como não se cansava de dizer nosso velho filósofo das Arcadas, Miguel Reale. Entre 20 mil reais de uma pessoa que, ao reunir duas coberturas amplíssimas, só pode ser abonada, e a saúde e, talvez, a vida, de um antigo lidador do direito, a simplicidade das opções axiológicas é franciscana.

Porém tudo foi desprezado para ficar-se no ramerrão. Barulhos em hora certa e falta de provas de lesão à saúde não autorizam que se conceda a liminar. Pode ser - e o banditismo se presume - mentira do autor.

Esquece-se de dois princípios: (a) a presunção de verdade pelo princípio assertivo e (b) em caso de mentira, o poder que tem o juiz de desfazer a ordem e aplicar multa ao infringente da boa fé processual.

Em abertura de sessão, para ficar escandalizado o então Desembargador Peluso, o Desembargador Coppola tomou a palavra para dizer que "não são bandidos de Toga". Ninguém apontou tal bandidagem, daí despicienda a defesa. Mas, desde tempos imperiais, no Brasil e no mundo, juízes portam, em bom número, pensamentos estereotipados, que são expressos nas sessões e nos processos, para depois, por exemplo, na Rússia czarista, irem às suas dachas dormir o sono dos justos. Se em suas elucubrações permaneceu um homem ou um objeto não é algo da competência dos magistrados.

Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.